Pedro Pinheiro Torres

Advogado especialista em Direito Processual Civil.

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(O Dec. Lei nº 10-A/2020 de 13 de março e as Leis nºs 1-A/2020 de 19 de março e 4-A/2020 de 6 de abril)

Através da aprovação do DL nº 10-A/2020 e das Leis nºs 1-A/2020 e 4-A/2020, o Governo e a Assembleia da República, respetivamente no primeiro e nos segundo e terceiro diplomas legais, têm procurado dar respostas à situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID-19 em matérias tão sensíveis e relevantes para a vida dos cidadãos como são, afinal, as questões da Justiça e da sua Administração.

A vertigem da produção legislativa resulta da simples constatação de que entre a publicação do primeiro e do terceiro daqueles diplomas legais decorreram 25 dias (de 13 de março a 6 de abril), encontra justificação evidente (e notória) na necessidade de responder a uma realidade que evolui em grande velocidade, de modo muito instável, surpreendendo-nos com a imposição de condições porventura inimaginadas que requerem soluções concretas, de curto prazo e sempre sujeitas a intenso acompanhamento quanto ao seu resultado e à manutenção da validade dos termos em que foram decretadas.

            É, aliás, a este propósito, revelador o teor (comum) dos sumários dos três diplomas, que enunciam o estabelecimento de medidas excecionais e temporais relativas à situação epidemiológica do novo coronavírus – COVID 19 (os dois primeiros) ou à sua alteração (o terceiro daqueles diplomas).

            Esta necessidade de acompanhamento dos resultados das medidas e da manutenção da sua validade, aliada à permanente descoberta de novas situações com caraterísticas particulares – que, por carecidas de soluções especificas, terão sido “mal tratadas” através de disposições mais genéricas como as da Lei nº 1-A/2020 na redação inicial – , justifica a sucessão da legislação aprovada e seguramente, originará, num curto espaço de tempo, a aprovação de novas soluções.

Estamos, de facto, num tempo em que é preciso legislar à vista; à vista e não a reboque, antecipando os cenários previsíveis e não apenas respondendo às realidades já consumadas.

            A resposta dada pelo Governo, através do DL nº 10-A/2020 de 13 de março, mereceu já análise em artigo publicado nesta plataforma, para o qual me permito remeter.

            Procurarei, assim, neste texto, analisar os termos das Leis nºs 1-A/2020 de 19 de março e 4-A/2020, de 6 de abril, comparando-as na medida em que essa comparação evidencia a evolução e o sentido das soluções adotadas, mas valorizando  as soluções que, na sequência de Lei nº 4-A/2020 se mantêm em vigor, pois, em boa verdade, são essas que atualmente importam.

            A reflexão sobre as diversas soluções propostas poderá vir a ser feita, mas não considero que este seja o momento adequado para o fazer.

            Estarão em causa, nesta análise, os artigos 7º e 8º da Lei nº 1-A/2020 de 19 de março, na redação que lhe está dada (atenta a transitoriedade previsível desta redação) pela Lei nº 4-A/2020.

            A minha atenção incidirá, particularmente, sobre as soluções propostas no artigo 7º, atenta a sua especial relevância em matéria processual.

            A primeira constatação será a que, de onze números na sua redação inicial, este artigo passou a ostentar, agora, treze.

            Atenta a sua relevância e relativa autonomia e a independência relativamente aos restantes, penso ser aconselhável proceder à sua análise individualizada.

            Começando (naturalmente) pelo nº 1, deverá ser transcrito a sua redação atual, da qual decorre que “sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS -CoV -2 e da doença COVID -19, a decretar nos termos do número seguinte”

            Esta redação é a que lhe foi conferida pela Lei nº 4-A/2020, que substitui a referência ao “regime de férias judicial” pela expressão “ficam suspensos”, esclarecendo, agora, para que não haja dúvidas, que se refere a prazos para prática de atos processuais e procedimentais.

            Trata-se de uma alteração feliz – porventura resultado das críticas que imediatamente mereceu a redação inicial deste preceito – que, pondo termo à indefinição resultante da referência aos regimes das férias judiciais, não proporcionará, por enquanto (atenta a dinâmica legislativa considera-se adequada esta referência) a melhor solução.

            De facto, como observei no artigo a que acima fiz referência, a suspensão de prazos judiciais não determina a sua contagem desde o início – ou, dito de outro modo, a inutilização do prazo que tiver decorrido anteriormente – traduzindo-se, apenas, na simples “suspensão” da contagem do prazo, que, logo que cesse, deve ter em consideração o tempo (normalmente, os dias, atento o facto de ser esta a contagem habitual aplicando os prazos judiciais) decorrido até à suspensão.

            É o que resulta da regra geral do regime de suspensão enunciado na parte inicial do nº 2 do artigo 275º, uma vez que a situação presente não se inclui nas previsões de exceção a esta regra, previstas na parte final deste nº 2, ou seja, o falecimento ou extinção da parte, prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 269º do CPC, ou impossibilidade de exercício do mandato pelo falecimento do mandatário judicial constituído, quando se estiver perante processo em que seja obrigatória a constituição de Advogado, prevista na alínea b) do mesmo artigo 269º.

            Ora, esta solução, não obstante poder vir a revelar-se mitigada nas suas consequências negativas se o legislador, prudentemente, fixar com alguma antecedência (relativamente a esta) a data de cessação da situação excecional de prevenção e tratamento de infeção epidemiológica por SARS-COV2 e da doença COVID 19, porquanto será nessa data que se verificará o termo da suspensão dos prazos judiciais e procedimentais, continuando-se (e não reiniciando-se) a contagem dos prazos.

            Na verdade, se este anúncio for feito com uma antecedência razoável relativamente à data da produção de efeitos (ou seja, à data da cessação da situação de pandemia), as partes poderão ter tempo para se preparar para dar atempado cumprimento aos prazos pendentes.

Se assim não for, poderá instalar-se um certo caos, atendendo a possíveis divergências de contagem de prazos entre os diversos intervenientes processuais (nestes incluídas as secretarias dos Tribunais), sendo esta situação agravada pelas dificuldades (apenas ligeiramente diminuídas pelo artigo 6º da Lei nº 4-A/2020) de interpretação das disposições referentes às datas da produção dos efeitos da Lei e, em concreto, deste artigo 7º.

De facto, deste artigo 6º da Lei 4-A/2020 de 6 de abril resulta que esta lei (concretamente no que se refere ao artigo 8º que também será apreciado) produz efeito à data da produção de efeitos do Dec. Lei nº 10-A/2020 de 13 de março.

Este Decreto-Lei, por sua vez, define a produção dos seus próprios efeitos de forma muito pouco clara, enunciando, no artigo 37º, o princípio (algo estranho, mas porventura justificável pelas circunstâncias) de que a generalidade dos preceitos nele insertas produzem efeitos à data da sua aprovação (12 de março) e não da sua publicação (13 de março), excecionando, no entanto, o disposto nos artigos 14º a 16º (que se referem a situações de natureza das aqui versadas  e que, por isso, podem ser-lhes aplicáveis) que produzem efeitos a partir de 9 de março e, ainda, o disposto no capitulo VIII (relativo a medidas de proteção na doença e na parentalidade, que, assim, não deve perturbar as normas sob apreciação) que produz efeito a 3 de março de 2020 (devendo considerar-se esse dia incluindo na produção dos efeitos).

Não muito claro, como se vê.

Porventura consciente dessa dificuldade, o legislador procurou, no nº 2 deste artigo 6º da Lei nº 4-A/2020, esclarecer que o artigo 7º da Lei nº 1-A/2020 (aqui sob apreciação) produz os seus efeitos a 9 de março de 2020 (também este dia deverá ser incluído na produção dos efeitos), com exceção (mais uma) das normas aplicáveis aos processos urgentes e à previsão relativa aos processos respeitantes aos atos previstos no nº 2 desse artigo 7º (na nova redação) que apenas produzem efeitos na data da entrada em vigor da publicação da Lei nº 4-A/2020, ou seja, 7 de abril de 2020, o dia seguinte ao da sua publicação, como prevê o seu artigo 7º

Convenhamos que o legislador, apesar de reconhecidas dificuldades, poderia ter tratado de forma mais clara a matéria de produção de efeitos das diversas disposições, com grande relevância e impacto na simples contagem de um prazo que, por força de uma daquelas disposições, se viu suspenso.

Estas dificuldades – acrescidas – deverão ser objeto de efetiva ponderação, considerando-se que a solução legal de inutilização do prazo decorrido até à sua suspensão tornará mais segura a atuação das partes, cujos interesses podem ficar em causa por meras razões formais relativas à contagem do prazo para praticar qualquer ato, que a solução adotada pelo legislador pode potenciar.

O nº 2 (do artigo 7º) não mereceu qualquer alteração. Dele resulta que o regime excecional previsto no artigo 7º manter-se-á em vigor até ser declarado por decreto-lei que porá termo à situação excecional, definindo a data da cessação deste regime.

Trata-se de uma disposição positiva, porquanto não suscita dúvidas quanto à vigência do regime, ou em relação à data em que cessa.

Deveremos, no entanto, estar atentos a eventuais (e muito prováveis) alterações aos termos do próprio regime, que não dependerão desse decreto-lei, mas poderão constituir verdadeiras derrogações a algumas das disposições desta lei, atenta a necessidade de se ir ajustando o regime às condições de evolução da pandemia e aos interesses das partes no processo, que neste momento se encontram (compreensivelmente) comprimidos, devendo ser “levantados” aspetos deste regime à medida que as condições vão permitindo.

Também o nº 3 mantém a sua redação, nele se prevendo que “a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.”

As dificuldades que, fruto das fortíssimas medidas de distanciamento social, todos sentimos em exercer capazmente os nossos direitos, tornam justificado que este regime de suspensão se aplique a prazos de direito substantivo, concretamente à prescrição e caducidade, não havendo, relativamente a estes prazos, qualquer fundamento para que se considere inutilizado o prazo anteriormente decorrido.

Ao estabelecer que  “o disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional”  o nº 4 deste artigo vem tornar inequívocos os termos daquela disposição, impedindo qualquer interpretação que procurasse, em determinadas situações particulares, pôr em causa a prevalência (e, afinal, a eficácia) da mesma sobre qualquer regime existente.

No nº 5 deste artigo notam-se as primeiras grandes alterações introduzidas pela Lei nº 4-A/2020 em matéria de abrangência das medidas adotadas pela Lei nº 1-A/2020.

O que era – de acordo com esta Lei – uma quase “proibição geral” de prática de atos processuais, na medida em que todos (exceção feita às situações em que estivessem em causa direitos fundamentais) estariam, em princípio, suspensos, foi, agora, transformado num “regime semiaberto” em que as exceções à regra geral da suspensão de prazos atos processuais emergem de forma inequívoca.

De facto, o nº 5 da Lei nº 1-A/2020 estabelecia o principio geral de que os prazos também se suspendiam nos processos urgentes (o que, como sabemos, não se verifica em período de férias judiciais, em situações normais, nos termos do nº 1 do artigo 138º do CPC), excecionando as situações enunciadas nos nºs 8 e 9 daquele artigo que, ainda na redação dada por aquele Lei, previam  expressamente que “ sempre que tecnicamente viável, é admitida a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente por teleconferência ou videochamada (nº 8 , na redação revogada) e que se realizariam, no âmbito daquele artigo, apenas presencialmente os atos e diligências urgentes em que estejam em causa direitos fundamentais, nomeadamente diligências processuais relativas a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente, diligências e julgamentos de arguidos presos, desde que a sua realização não implicasse a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes (nº 9 , na redação revogada)

Tínhamos, assim, na redação inicial da Lei nº 1-A/2020,  um regime de quase encerramento da atividade judicial (de outras, também, mas esta a mais relevante na nossa análise) sendo apenas permitidos alguns atos muito bem definidos em que estivessem em causa direitos fundamentais e desde que a realização das diligências necessárias fosse possível sem incumprir as recomendações das Autoridades de Saúde e as orientações fixadas pelos Conselhos Superiores Competentes.

 Na verdade, pela Lei nº 4-A/2020 foi conferida nova redação ao nº 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020 que, como se verá, visaram, em termos práticos, “revogar” aquele regime de “encerramento dos Tribunais” e “levantar o pé” (se me é permitida a expressão) em matéria de atos proibidos.

Desde logo no nº 5 se passa a enunciar, na nova redação, que o regime de suspensão de prazos para a prestação de atos processuais não obsta  à “tramitação dos processos e à prática de atos presenciais e não presenciais não urgentes quando todas as partes entendam ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente” (alínea a)) “nem a que seja proferida decisão final nos processos em relação aos quais o tribunal e demais entidades entendam não ser necessária a realização de novas diligências.” (alínea b)).

Convenhamos que esta última recomendação parece algo estranha na medida em que, mesmo nas férias judiciais (como previa o regime inicial da Lei nº 1-A/2020) ou em situação de suspensão de processos, os Senhores Juízos não estarão inibidos de proferir decisões que, obviamente, em caso de suspensão, só serão notificadas às partes quando esta findar.

Deverá, no entanto, ser considerado, simultaneamente, um esclarecimento que o legislador entendeu ser necessário para que não houvesse dúvidas quanto às possibilidades de os Senhores Juízes o fazerem à luz do enunciado geral inserto no nº 1 do artigo 275º do CPC e uma manifestação de que, com este novo regime da Lei nº 4-A/2020 (é, verdadeiramente, de um novo regime que se trata), se pretende ir repondo um funcionamento órgãos tão importantes para a vida das pessoas como os Tribunais,

Exatamente porque o paradigma de “encerramento total” foi alterado pela Lei nº 4-A/2020, o legislador viu-se na necessidade de enunciar as situações em que os prazos se devem considerar suspensos, evitando desse modo consequências não previstas do sentido do alargamento na atividade dos tribunais, resultantes de interpretações que, a não serem prevenidas, poderiam pôr em causa interesses legítimos das partes, não devidamente acautelados na expetativa de que, suspensos os prazos, os poderiam defender mais tarde.

Nesse sentido esclareceu o legislador no nº 6 (nova redação) que ficam também suspensos  “o prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (alínea a)), bem como “quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, designadamente os referentes a vendas, concurso de credores, entregas judiciais de imóveis e diligências de penhora e seus atos preparatórios, com exceção daqueles que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 137.º do Código de Processo Civil, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.” (alínea b)).

Em matéria de processos urgentes, o nº 7 deste artigo 7º (na nova redação) veio estabelecer um princípio (algo confuso) quanto aos termos da sua aplicação que, parece excecionar do regime de suspensão, definido no nº 1 deste artigo 7, os processos urgentes, ao definir, que os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção dos prazos.

Esta será (mais) uma significativa alteração do regime de “suspensão geral” definido incidente pela Lei nº 1-A/2020, que, claramente, como acima vimos, se aplicava aos processos urgentes, exceto quando estivessem em casa direitos fundamentais.

Esta significativa alteração foi, no entanto, objeto de “restrições impostas” pela circunstância da saúde pública, prevendo-se condições que deverão ser observadas na admissibilidade de realização das diligências, agora não suspensas, prevendo-se na alínea a) que “nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais realiza-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente” e, na alínea b), que “quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, e esteja em causa a vida, a integridade física, a saúde mental, a liberdade ou a subsistência imediata dos intervenientes, pode realizar -se presencialmente a diligência desde que a mesma não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes. (nos tribunais, o Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior do Ministério Público e, porque não, nos atos em que intervierem Advogados, o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, atenta as consequências desses atos na saúde e vida dos seus membros).

Na alínea c) do nº 7, conformando-se, antecipadamente, o legislador com a provável “impossibilidade de realização das diligências nas condições “autorizadas” prevê-se que “caso não seja possível, nem adequado, assegurar a prática de atos ou a realização de diligências nos termos previstos nas alíneas anteriores, aplica -se também a  o regime de suspensão referido no n.º 1.”.

Ou seja, apenas na hipótese de se verificar não ser possível respeitar as condições exigidas nas alíneas a) e b) deste nº 7 para que as diligências se realizem, se aplicará, a estas diligências a realizar em processo urgente, a regime da suspensão geral, enunciado no nº 1 do artigo 7º na redação dada pela Lei nº 4-A/2020.

Esta suspensão não abrange os prazos processuais para a prática de atos a praticar pelas partes, muito embora se deva questionar, nomeadamente quanto aos processos urgentes instaurados já neste período de suspensão de prazo e atos processuais (uma vez que ninguém está impedido de instaurar ações ou procedimentos de qualquer natureza) como serão praticados os atos (nomeadamente a citação do requerido para os termos do procedimento urgente, esteja ou não, esta decretada, isto é não tenha ou tenha sido precedida de audiência prévia do requerido) que determinam o “nascimento” do prazo para a prática do ato da parte.

O nº 8 concretiza que processos deverão ser considerados urgentes para os efeitos do nº 7 (acima analisado), nomeadamente “ os processos e procedimentos para defesa dos direitos, liberdades e garantias lesados ou ameaçados de lesão por quaisquer providências inconstitucionais ou ilegais, referidas no artigo 6.º da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, na sua redação atual” (alínea a) ), “ o serviço urgente previsto no n.º 1 do artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, na sua redação atual , (alínea b)) e “os  processos, procedimentos, atos e diligências que se revelem necessários a evitar dano irreparável, designadamente os processos relativos a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente e as diligências e julgamentos de arguidos presos.” (alínea c).

A remissão para preceitos de outros diplomas convoca a necessidade de esclarecer a que processos e atos, em concreto, se refere o legislador.

Assim, esclarece-se que no artigo 6º da Lei nº 44/86 de 30 de Setembro, na sua redação afinal é garantido, na sua plenitude, o direito de acesso aos tribunais, de acordo com a lei geral, para defesa dos seus direitos, liberdades e garantias lesados ou ameaçados de lesão por quaisquer providências inconstitucionais ou ilegais, na vigência do estado de sítio ou do estado de emergência, os cidadãos mantêm, na sua plenitude,

Já o nº 1 do artigo 53º do DL nº 49/2014, de 27 de março  que regulamenta a Lei de Organização do Sistema judiciário, define como serviços urgentes os respeitantes aos previstos no Código de Processo Penal, na lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal, na lei de saúde mental, na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e no regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional”.

O nº 9 (sempre na redação dada pela Lei nº 4-A/2020 à Lei nº 1-A/2020) prevê que disposto nos números anteriores se deve aplicar, também com as necessárias adaptações, aos prazos para a prática de atos em “procedimentos que corram termos em cartórios notariais e conservatórias” (alínea a), “procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, incluindo os atos de impugnação judicial de decisões finais ou interlocutórias, que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo a Autoridade da Concorrência, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, bem como os que corram termos em associações públicas profissionais” (alínea b)) e em “procedimentos administrativos e tributários no que respeita à prática de atos por particulares.” (alínea c)).

Relativamente a estes últimos procedimentos tributários (enunciados na alínea c) do nº 9), esclarece o nº 10 que “a suspensão dos prazos em procedimentos tributários, referida na alínea c) do número anterior, abrange apenas os atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como os atos processuais ou procedimentais subsequentes àqueles.”

No que poderemos considerar a vontade de evidenciar uma preocupação acrescida pela situação do arrendamento (concretamente do arrendatário, uma vez que o senhorio continua a ser ignorado nos seus interesses neste tempo de pandemia, como evidencia o regime legal de apoios estabelecidos pela Lei nº 4-C/2020 de 6 de abril) o legislador entendeu estabelecer  no nº 11 do artigo 7º (nova redação) que “durante a situação excecional referida no n.º 1, são suspensas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.”

Ora, salvo o devido respeito, se com esta solução o legislador pretendeu reforçar a defesa dos interesses dos arrendatários, deve reconhecer-se que não terá sido muito feliz, pois com esta disposição veio impedir o automatismo da suspensão dos processos, previsto no nº 1 deste artigo, ao introduzir uma condição para que a ação ou procedimento em causa seja suspenso, que é o de o arrendatário poder ficar em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa, obriga à verificação desta situação pelo Juiz, sujeitando o arrendatário ao ónus da prova desses factos.

Teria sido muito mais simples e, porventura adequado aos tempos difíceis que vivemos, aplicar também a estes processos o regime de suspensão declarado no nº 1 deste artigo.

A menos que, estranhamente, o legislador tenha começado a ponderar interesses dos senhorios nesta disposição… (!)

Numa disposição completamente inovadora relativamente à redação original do artigo 7º, foi introduzida, no nº 12, uma exceção ao regime da suspensão  nos termos da qual não se considerarão suspensos  os prazos relativos à prática de atos realizados exclusivamente por via eletrónica no âmbito das atribuições do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I. P.”. A tramitação exclusivamente eletrónica desses atos justificará a exceção destes atos relativamente ao regime geral de suspensão.

O nº 13 mantem a redação do nº 11 do artigo 7º na redação dada pela Lei nº 1-A/2020 estabelecendo que “após a data da cessação da situação excecional referida no n.º 1, a Assembleia da República procede à adaptação, em diploma próprio, dos períodos de férias judiciais a vigorar em 2020.”

Trata-se de uma disposição propositadamente vaga, dir-se-á, aliás, justificadamente vaga, uma vez que nem sequer é possível antecipar o termo desta situação excecional que pode (oxalá não suceda) durar para além das férias judiciais de Verão (entre 16 de Julho e 31 de Agosto de acordo com o que dispõe o artigo 28 º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto.

O certo é que as férias judiciais de Páscoa (entre 5 e 13 de abril) deverão considerar-se já “absorvidas” por esta situação de exceção, o que, desde logo, justifica e legitima esta precaução do legislador.

Esperando (todos nós) que o fim desta situação excecional seja decretado antes do início das férias judiciais de Verão, será de admitir que a Assembleia da República decrete que, no ano de 2020, não haja férias judiciais de Verão ou que o período destas seja especialmente reduzido.

Convém termos presente que as férias judiciais – que defendo como fator de equilíbrio na atividade dos Tribunais e dos que com eles trabalhem, nomeadamente os Advogados – se traduzem, essencialmente, em termos processuais na criação de suspensão de prazos judiciais, com exceção expressa para os processos urgentes, como decorre do nº 1 do artigo 138º do CPC, já cima referido.

Esta será a consequência fundamental das férias judiciais, que não impedem qualquer Juiz, funcionário judicial ou Advogado, de trabalhar, limitando, contudo, no que aos tribunais respeita, a sua atuação a determinados atos, mas não impedindo os Senhores Juízes de proferir despachos ou sentenças durante as mesmas.

 É claro que, em situações de normalidade, as férias judiciais, são, naturalmente, associadas às férias dos que trabalham nos tribunais e dos que trabalham com os Tribunais, que, livres de pressão dos prazos, poderão tirar uns dias para descansar.

E para este descanso – e liberdade de o ter – é fundamental a suspensão dos prazos, concretamente para os Advogados em regime de prática individual que, muitas vezes, não poderiam deixar o escritório (ou o acesso ao citius) se não fosse essa suspensão dos processos.

Ora, sendo esta a principal consequência das férias judiciais, será legítimo que o legislador, após um período de suspensão forçada dos prazos judiciais, imponha às partes o sacrifício de verem os seus processos suspensos? A resposta dificilmente será positiva, pois temos de reconhecer, não será legítimo.

Por isso, ainda que tal possa penalizar um grupo profissional (ou vários grupos profissionais) é de prever – e, pessoalmente subscreverei o sentido de tal determinação – que a Assembleia da República, tal como prevê o nº 13 do artigo 7º, possa decretar que, neste ano de 2020,  não haverá férias judiais de Verão ou que estas tenham uma duração inferior a 45 dias que, repito, em solução de normalidade, só não considerará justificadas que não conheça o desgaste resultante da atividade dos tribunais.

Temos de ter consciência que, nesta situação, os Advogados (classe profissional que, com muita honra, integro) não podem ter interesses próprios, mas apenas os dos que representam, não havendo justificação para, nas circunstâncias em que se admite chegarmos a 15 de julho de 2020, se possa pensar como se nada se tivesse passado…

Não pode é, o legislador, “tomar-lhe o gosto” e transformar esta decisão – de exceção – em regra geral.

Contra essa decisão de generalização (que espero não seja tomada) entendo, também, desde já manifestar-me, não podendo, em minha opinião, em qualquer hipótese, a eventual “eliminação” do período de férias judicias em 2020 “fazer jurisprudência”.

Finalmente, na análise do artigo 8º da Lei nº 1-A/2020 na redação dada pela Lei nº 4-A/2020, importará fazer uma referência, atenta a relevância da mesma para a matéria sob apreciação,  apenas à sua alínea e) da qual resulta que ficam suspensos os processos de “execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado.”  

Esta alínea e) corresponde à anterior alínea b) do artigo 8º, na redação original, verificando-se, no entanto, uma alteração relevante no que diz respeito ao termo dessa suspensão que agora se reporta ao prazo de 60 dias após a cessação das medidas excecionais, sendo esta (cessação) definida por decreto-lei, nos termos do nº 2 deste artigo, já acima analisado) e não na data da cessação das medidas como sucedia na redação original do artigo 8º.

Trata-se de uma alteração relevante, que se considera justificada.

Este será (se à data da publicação deste artigo não tiverem surgido novas alterações a estes preceitos) o quadro legal em que nos movemos ou, talvez melhor, em que “não nos movemos”, atento o sentido de imobilização subjacente aos preceitos analisados.

A dinâmica deste processo e a justificada necessidade de se ir retomando, mais ou menos lentamente, a “vida normal” justificará a tomada de novas medidas pelo legislador.

Sejam elas claras e inequívocas (para além de acertadas, naturalmente) para que não se criem danos ainda maiores aos interesses das partes.